sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Oficina de escrita (II)

Iam os dois pela rua, de mãos dadas. Dir-se-ia que não pisavam o chão. Dir-se-ia que deslizavam, que vogavam, que voavam. A felicidade estava-lhes cunhada nos rostos; e também, nos gestos, nos sorrisos, no olhar. Iam de mãos dadas pela rua e iam muito felizes. Paravam junto às montras, olhavam, mas não fixavam nada, só sabiam um do outro, só estavam ali juntos
para apenas estar um com ou outro, junto e assim mesmo: de mãos dadas e aos beijos.
Beijavam-se tão felizes, tão um do outro, que essa felicidade molestou uma senhora obesa e flácida. A senhora estacou, indignada, a fuzilá-los com as balas do ódio. E gritou: "Não podiam fazer isso em casa?"
A rapariga deixou o beijo a meio. O rapaz experimentou uma estranha sensação de pasmo. Olharam-se. E foi então que a rapariga respondeu, indicando tudo em redor: "Esta é a nossa casa!"
Nesse instante trémulo, o mundo feliz, começou a aplaudir.
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1 comentário:

Anónimo disse...

Teoria da cor

"Pode um amigo colorido pôr-nos a vida a preto e branco? Pode. Até a pode pintar de negro e quase para sempre. Os amigos coloridos dão-nos momentos de prazer, novas perspectivas de ver a vida e a cama, novas reacções ao êxtase, novo alento ao ego, novos comportamentos, outros comprimentos. Mas também tiram. Levam a inocência, alguma capacidade de acreditar que a coisa corra bem um dia, tiram o mistério da relação e consomem-nos apenas os fluidos. Afinal, o que têm eles de tão mágico? Muito. Tudo! Desaparecem no dia seguinte sem deixar rasto, nem um recadinho a dizer que o leite podia estar estragado. Mas isto não engana, porque, afinal, sobre os amigos coloridos que são mágicos não podemos criar ilusões. Com eles não há recadinhos, não há frases feitas, nem mãos dadas na rua. Não há disponibilidade. A eles não se pode ligar a fazer queixa da constipação ou do almoço que foi caro. Com eles só se pode falar de dois assuntos: quando e onde. Todas as outras perguntas são secundárias. E a teoria destes amigos dos tempos modernos pode cair da cama no dia em que nos apaixonamos (cenário negro)… Mas cai de certeza por terra sempre que fazemos disso modo de vida (em branco)…"